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Escrevendo sob expectativas, lembrei de um texto que falava sobre “estar sem se ver”.
Lembrava de quem é e do pedaço, mas não lembrava da íntegra nem do título.
Acho que não precisamos mais de memória. Basta uma nuvem e um acesso à Internet.
Trancar o dedo numa porta dói.
Bater com o queixo no chão dói.
Torcer o tornozelo dói.
Dói bater a cabeça na quina da mesa,
dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim.
Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe.
Saudade de uma cachoeira da infância.
Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais.
Saudade do pai que já morreu.
Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu.
Saudade de uma cidade.
Saudade da gente mesmo,
quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos.
Doem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama.
Saudade da pele, do cheiro, dos beijos.
Saudade da presença e até da ausência consentida.
Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem,
mas sabiam-se lá.
Podia-se ir para o aeroporto e o outro ao dentista,
mas sabiam-se onde.
Podia-se ficar o dia sem se ver,
mas sabiam-se amanhã.
Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade
que ninguém sabe como deter.
Saudade é não saber.
Não saber mais se continua se gripando no inverno.
Não saber mais se continua clareando o cabelo.
Não saber se ainda usa a roupa que você deu.
Não saber se, foi-se na consulta com o médico (como prometeu).
Não saber se tem comido frango de padaria,
se tem assistido as aulas de inglês,
se aprendeu a entrar na Internet,
se aprendeu a estacionar entre dois carros,
se continua fumando,
se continua preferindo Pepsi,
se continua sorrindo,
se continua dançando,
se continua pescando,
se continua te amando.
Saudade é não saber.
Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos,
não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento,
não saber como frear as lágrimas diante de uma música,
não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.
Saudade é não querer saber.
Não querer saber se está com outro,
se está feliz,
se está mais magro,
se está mais bela.
Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama,
e ainda assim, doer.
Martha Medeiros "